Portfólio da disciplina Educação Comunitária e para a Cidadania do módulo II - Educação Comunitária, Saúde e Cidadania na Escola do curso de especialização "Ética, Valores e Cidadania na Escola" da Universidade de São Paulo.

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Autor: Fernando de Padua Laurentino - Butantã II - Turma D

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

21- Lazer, cultura e elementos comunitários

A RUA COMO EQUIPAMENTO NÃO ESPECÍFICO DE LAZER


Na realização de uma pesquisa, realizada por mim, em 1997, sobre urbanização de favelas na cidade de Diadema, ficou muito evidente a importância da rua como espaço social e com várias finalidades. Entre estas finalidades se destacou o lazer.
Em comunidades carentes onde a moradia não possibilita um espaço de divertimento, desenvolvimento de habilidades físicas, emocionais, intelectuais etc. a rua se transforma num espaço privilegiado para tal.
Transcrevo parte da pesquisa que trata sobre este assunto:

"Tecnicamente quase não há ruas em Núcleos Habitacionais, o que existem são vielas e travessas. Áreas de trânsito para serem designadas como rua necessitam uma metragem mínima de 6 metros de largura de acordo com a legislação municipal de Diadema, mas não discutimos aqui o espaço público na sua concepção técnica, mas como necessidade e apropriação da mulher e do homem para um uso diferenciado do espaço público e que por isso contem a possibilidade do encontro e da realização das relações humanas. Por isso chamaremos aqui travessas, vielas e todos os espaços de circulação e trânsito nos Núcleos Habitacionais de rua.
Boa parte da vida dos moradores dos Núcleos Habitacionais acontece na rua. Teoricamente a vida aconteceria do lado de dentro das portas, mas a arquitetura das casas dos Núcleos Habitacionais transforma a rua numa extensão da casa. Com lotes geralmente com frentes de 4 metros não há um intervalo lateral entre esses o que significa a quase ausência de janelas laterais no pavimento térreo. Com a construção total do lote mínimo não sobra área para quintal ou espaços que não sejam aqueles funcionalizados e conhecidos de todos: cozinha, sala, quartos e banheiro. Qualquer outra atividade que não se enquadre dentro desses espaços funcionalizados da casa não tem como ser desenvolvida dentro desta. A alternativa então se torna ir para rua.
Por outro lado a morfologia do Núcleo Habitacional cria condições para um maior uso da rua como extensão da casa na medida que elas não excedem, na maioria, 5 metros de largura o que dificulta bastante e repele a passagem de carros. E mesmo que estes entrem no núcleo andam com a velocidade bem reduzida. Em muitas vielas os carros não entram também devido à alta declividade do terreno. Desta maneira as mães não se preocupam tanto em deixar seus filhos bricarem fora de casa e a rua vira quase somente passagem de pedestres.
Como as casas são muito pequenas as pessoas são que “empurradas” para a rua. Não apenas pela necessidade física e psicológica de horizontes abertos, espaço livre etc... Mas também porque inúmeras atividades cotidianas, como dito acima, precisam de algum espaço disponível para sua execução. Muitas vezes não dá para lavar tapetes, consertar a bicicleta ou fazer a massa de cimento para um simples reboco dentro das casas do Núcleo Habitacional por que não há quintal.
A rua é o espaço livre para execução de inúmeras tarefas que precisam de espaço livre. A rua vira assim a extensão da casa. A rua é o quintal, a área de serviço, a garagem etc...
Bem, mas nem todas atividades que deveriam ser executadas em casa e que são feitas na rua são por causa do pequeno espaço interno das residências. Muitas atividades são desenvolvidas na rua exatamente por que lá é possível encontrar o vizinho, o outro. A rua não é só pública pela necessidade física espacial, mas também, e porque não principalmente, pela possibilidade do encontro, da conversa, da partilha, das relações etc..
Outro elemento importante da rua é que ela, muitas vezes, concentra um grande número de lotes com pessoas de uma mesma família. Na definição dos lotes pelos moradores estes procuraram ficarem próximos de familiares e amigos. Portanto o vizinho raramente é um estranho total.
(...) a rua, no Núcleo Habitacional, é um lugar de encontro e desfrute, o lugar de ver e encontrar o vizinho, o amigo, a paquera etc.... E toda essa simultaneidade de tarefas e gente na rua cria uma sensação de festa, de agitação.
E assim vai se ampliando a concepção de morar. As pessoas não moram apenas do portão para dentro mas também na rua, na conversa do botequim, na paquera com o vizinho etc....
Não são raro encontrarmos mulheres conversando nos portões das casas ou fazendo tricô enquanto olham suas crianças brincando.
Onde as pessoas tem poucos recursos para gastos com o essencial (comida, roupas, habitação, etc...) gastar com entretenimento e lazer torna-se raro. Quando a televisão não satisfaz esta necessidade a rua, com certeza, torna-se o local da possibilidade de desfrute das horas vagas sem gastar. Pode-se jogar dominó, bola, baralho ou então apenas conversar sobre o futebol ou novela.
Na cidade moderna o lazer tornou-se um produto. Para ser desfrutado precisa ser pago. Ter condições de lazer na cidade acaba por significar condições de gastar com o que aparentemente é supérfluo, o que não é bem o caso dos moradores do núcleo. Mesmo o lazer popular acabou sendo absorvido como meio de exploração pela sociedade capitalista, sobrando apenas resquícios pontuais que tentam sobreviver.
O lazer, no núcleo, se dá na sociabilidade, nas relações pessoais. As mulheres parecem ser as que mais sentem essa necessidade de ampliar a extensão de morar para além do portão porque são elas que passam mais tempo em casa. E, como dito anteriormente, as casas por serem muito pequenas empurram as pessoas para a rua. O tamanho das casas é suportável para quem trabalha o dia inteiro e fica em casa somente as noites e nos fins-de-semana pode ir para o campo de futebol ou para o boteco jogar bilhar com os amigos. Porém para quem precisar passar o dia inteiro dentro de casa a coisa não é tão simples.

“Eu me sinto sufocada com uma casa em cima da outra”.
(moradora de núcleo)

É da vivência cotidiana na casa que surge a significativa participação das mulheres nas reuniões pela melhoria do núcleo. “São elas, em geral, que mais participam por estarem mais presentes na rotina diária da favela” .

“Quando a gente convoca uma reunião dá mais mulheres, poucos homens. (...) Porque as mulheres costumam cobrar mais, os homens são mais acomodados.(...) Elas passam mais tempo em casa, elas que passam mais os problemas diários da casa. Então, como tem vários problemas me casa, elas sabem tudo o que está acontecendo, elas reclamam mais”.
(Líder comunitário)

As mulheres são as primeiras a sentir a importância do morar no seu sentido mais amplo. A casa satisfaz o estritamente necessário para a sobrevivência da família mas é insuficiente para abranger todas as dimensões, desejos e sonhos humanos. A rua surge como possibilidade de complementar esta ausência, porém, é claro, ela ainda é insuficiente."

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